sexta-feira, 11 de julho de 2008

Hoje dei por mim a divagar, que se na minha juventude não me fiz hippie, foi porque não tive tempo...

Tudo começou com um tópico ligeiro de conversa, sobre juventudes inquietas...


A conversa, porque eu estava de saída, acabou logo por ali, mas depois, a caminho da minha cidade, fui reflectindo na minha própria juventude...


Amante de espaços abertos, de violas à volta de fogueiras na praia à noite, do toque doce das cambraias e algodões das túnicas, cabelos longos soltos ao vento, de livros que me levavam para outras paragens, com horizontes bem mais largos, que outro caminho me restaria?

Até por uma questão de pele. Só a ganga me trazia conforto.

E foi então, que o meu pai faleceu.

Tingiram-se as gangas de preto, perante a minha recusa de outro toque, tingiu-se o tempo de outras tarefas, de outros tons, o meu universo...

Um ano depois, a minha mãe chega a casa com um sorriso, vais entrar para o banco.

Vestem-me uma saia, que me pica nas pernas, calçam-me umas sandálias que me desequilibram, prendem-me os cabelos...és uma mulher!

Mãos suadas, onde vou usar o che guevara que trago ao peito, mãos suadas, onde vou fumar às escondidas?

Quando volto às matinés de 5ª feira com as minhas colegas? quando volto a ver o meu liceu? quando volto a ser eu?

Confundo-me comigo própria, não me reconheço no espelho e contudo, todas as manhãs me visto, me penteio, corro para o autocarro. Sou eu que fumo fechada na casa de banho, sou eu que escrevo poemas à sucapa, sou eu que olho para o cais da rocha conde de óbidos e sonho com viagens por mar, sou eu que às 18h solto o cabelo, respiro fundo e corro para casa, antecipando o prazer de ouvir no velho gira discos, Melanie, no Lp Candles in the Rain, Neil Damond, Jonathan Livingston Seagull, Carlos Paredes, Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Carole King, Santana, Creedence Clearwater Revival, Procol Harum...

E enquanto leio a Mãe de Maximo Gorki sei que ainda espero um milagre...

Com a entrada para o Camões, à noite, no ano seguinte, volto a respirar e a soltar o cabelo, John Miles canta Music was my first love, nos furos vamos comer "cadelinhas", Supertramp inunda-nos com Hide in Your Shell e School, Lou Reed e Walk on the Wild Side... gosto de filosofia, na esplanada da infante santo, um árabe apaixona-se por mim e pensa em levar-me com ele, os colegas protegem-me e deixam-me à porta de casa, espanto-me com a escolta e de novo prendo os cabelos...

Já não sei quem sou.

Já não me lembro de quem era.

Aos fins de semana, procuro a praia ao por do sol e deito-me sozinha, ouvindo o mar.

Raramente encontro alguem na praia.

Namoro. Ele tinha os cabelos compridos mas cortou-os. Ambos estudamos à noite, o namoro faz-nos parecer mais crescidos, não nos queixamos de trabalhar tão novos, sei que estamos por fim domesticados, ele de cabelo cortado e eu às vezes de vestido.

Fala-me em casar. Namoramos há 4 anos e eu nunca posso sair à noite. Diz se cansado de sair sozinho. E eu cansada de estar fechada em casa. Sinto que perdemos a graça. Sinto-me prisioneira da vida que não construi.

Conto-lhe o meu sonho de menina: casar na pequena capela de S.João da Caparica, onde o sol incide de forma especial no altar durante a manhã e que o meu vestido fosse uma simples túnica branca...ele sorri...


Meses antes do casamento, chamam-nos doidos, ninguem é hippie para se casar com túnicas soltas, ninguem no casamento vai à praia...

Espero a força dele para, aliada à minha, vencermos.


Casamos em Setembro, ele de fato e eu de vestido de noiva.

Convencional, embora desenhado por mim.

Vinte anos depois entro no banco e o meu novo chefe, o martins, pergunta-me com os seus olhos azuis vivos: és retornada?

Fico sem perceber. -Retornada? penso, retornados devemos ser todos nós um pouco, uns retornam mais cedo e outros mais tarde...sorrio encarando-o...é que a tua forma de estar, aberta e sorridente, calorosa é caracteristica nossa, eu vim de angola...

-Ah!, não Martins, não sou retornada, mas realmente nao consigo ter um low profile...

ele pede desculpa logo de seguida percebendo o sarcasmo e o dia passa silencioso, entre papeis e teclas, pois ao contrario de nós, mais ninguem naquele departamento, possuía perfil de retornado...ao seu lado, trabalhava um senhor que muitos anos antes tinha sido esquecido no altar e que a partir daí nunca mais confiara em ninguém, ao meu lado, uma mulher bonita, casada com um frances que a visitava de 3 em 3 meses e a quem esse convivio, elevara para esferas bem mais altas de relacionamento...

Faço o curso de marinheiro e o Martins, que também percebe de navegações, faz-me perguntas testando-me...diz que eu percebo de tudo e que vou passar de certeza...e que já tinha descoberto... eu não era retornada mas sim....hippie!!!

Não consigo ficar séria olhando o seu rosto franco.


Abano.


Hippie.


Cabelos ao vento.

Túnica de cambraia, linho ou algodão.

Correr mundo. Ir à India.

Patcholi. Livres pensadores.


- Eu hippie? se visse os móveis pesadissimos da minha sala, os tapetes de arraiolos e os sofas verdes com bolinhas amarelas que lá tenho, não me chamaria hippie! Onde foi buscar essa ideia?


-Tu és hippie não queres é mostrar...

-Oh Martins, visto-me de forma convencional, uso mala, carteira, ponho verniz nas unhas, mas onde é que eu sou hippie?

-És hippie na forma de ser. E nos cabelos também!


Nesse dia trabalho muito e sempre com um sorriso interior que me ilumina os olhos e me leva a recordar a minha juventude...hippie...

Decido que um dia quando me reformar, vou respigar a hippie que existe em mim.



Tarde demais para o ser e nunca deixando de o ser, sei que não o fui, por simples falta de tempo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Não quero perder-me. não quero encontrar-me. não quero deixar de ser eu... quero que percorras o mundo, num futuro próximo... sem dúvidas sobre quem és. Porque assim posso ter esperança em mim.