domingo, 13 de julho de 2008


Gosto de ler e, actualmente, muito do tempo que tenho é investido na leitura.

Depois de ter lido as Deusas em cada mulher, li a Soma dos dias de Isabel Allende e, a paginas tantas, descubro que a Isabel (allende) também gostou de ler as "Deusas" e que adorou conhecer a sua autora, de quem, de resto, ficou amiga.



Nessa pagina, dei -me ao luxo de parar a leitura e olhando o rio cheio de reflexos, sentir dentro de mim uma alegria espiritual que me elevou durante momentos, derivada da coincidência dos factos. Há muito que eu acredito que "estamos ligados por fios invisiveis" neste universo de energias e luzes, e, sabê-las amigas, a mim que me considero leitora leal e admiradora das suas escritas, da escrita de ambas, ali tão pequena, ali tão grão de areia, sentada numa esplanada qualquer, de uma cidade que, quem sabe, nenhuma delas conhece, à beira rio, fez-me sentir menos só, na caminhada que trilhava nesse mês de abril, de surpresas mil.





Depois disso, descobri um Mia Couto pujante em Terra Sonambula, chegaram Os cadernos de Dom Rigoberto, e depois, apanhei mesmo a jeito, a Brincadeira de Milan Kundera e há três dias atrás, O livro do dessassossego, de Fernando Pessoa, que me lembro, quando o comprei, ter guardado para um tempo, que sabia haveria de chegar, mais cedo ou mais tarde.



O tempo chega sempre a tempo e felizmente vou reconhecendo os estados de espirito que me vestem e muito embora, não consiga ler vários livros ao mesmo tempo, o que considero uma admirável proeza, gosto de ir diversificando na escolha.





Mas voltando ao livro do desassossego, não consigo resistir à tentação de deixar aqui, esta breve passagem, por razões de alma.



"Desenrolo-me como uma meada multicolor, ou faço comigo figuras de cordel, como as que se tecem nas mãos espetadas e se passam de uma criança para as outras. Cuido só de que o polegar não falhe o laço que lhe compete. Depois viro a mão e a imagem fica diferente. E recomeço.

Viver é fazer meia com uma intenção os outros. Mas, ao fazê-la, o pensamento é livre, e todos os principes encantados podem passear nos seus parques entre mergulho e mergulho da agulha de marfim com bico reverso. Croché das coisas... Intervalo... Nada...

De resto com que posso contar comigo? uma acuidade horrivel das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo...Uma inteligencia aguda para me destruir, e um poder de sonho sofrego de me entreter...Uma vontade morta e uma reflexão que a embala, como a um filho vivo...Sim, croché..."


Pedi à minha mãe que me ensinasse a fazê-lo muito pequena.

Gostava dos quadradinhos com rosas que lhe saiam das mãos, gostava dos losangulos cheios, que contrastavam com os triangulos vazios. Gostava da infinita possibilidade de desenhos que se poderiam criar. Gostava da textura da colcha branca de linha, pesada e austera, quando me deitava. Aos 10 comecei a fazer a minha manta de retalhos, sem retalhos, com lãs de várias cores, que iam mudando, conforme o animo ou a cor da moda. Aos 14, durante a convalescença da hepatite que apanhara, dei um grande avanço na manta, mas não foi suficiente.

Assim, a minha manta, que nasceu na minha infancia, passou a ser manta das convalescenças e só veio a terminar quando eu já tinha perto de 3o anos. Mais do que significar a "manta da minha vida", a sua confecção, veio a ensinar-me o quanto era libertador e calmante, o "fazer meia", de que Pessoa fala.

O deixar soltar o pensamento, o acalmar do coração, o serenar do desassossego, tudo isso era possível e rápido, desde que os dedos estivessem entretidos na agulha e nas lãs...

Ao longo da última década, em fases de confusão ou quando muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, corro para a primeira loja de lãs que encontro, em busca do meu tempo de "fiar".

Sei que entre a primeira hora de laçadas e a última, tudo dentro de mim serena, ponderando nas escolhas, analisando os caminhos, recordando outras cores e fugindo de certos formatos.



Como é que Fernando Pessoa descobriu o pensamento da tecelã?

Quem teria sido a tecelã de Pessoa?


Em que momento da sua vida fez a analogia entre a vida e o crochet, como eu, tanto faço?

...e embora os intevalos façam render o trabalho, são os cheios, que mais nos enchem de brilho e mais aquecem o inverno. Croché da vida, croché dos dias...


...e volto à leitura...

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