domingo, 3 de agosto de 2008

Foi no decorrer da minha segunda relação, que me libertei um pouco da figura autoritária e castradora da minha mãe. Libertei-me no terreno, porque interiormente continuava a sofrer com o que ela me dizia, com os seus comentários infelizes, com a amargura que de ano para ano, via aumentar dentro dela. Foi no decorrer dos meus trinta anos, que percebi a chantagem emocional a que ela me submetia, que percebi que ela não admirava as minhas pequenas grandes vitórias, que nao agradecia as minhas pequenas grandes dádivas, porque tudo era nada, já que eramos tão diferentes; que ela não tentava perceber quem eu era, antes, crucificava-me por ser tão diferente dela, usando sempre a censura corrosiva do "não vales nada" e "não sabes fazer nada".

Ainda hoje continua a ser irónica perante as minhas diferenças, mas já não me leva ao desespero desses anos passados.

Foi também durante a minha segunda relação, que a minha carreira, cresceu prospera, trabalhava feliz por, com certa regularidade me darem funções diferentes, ter a oportunidade de aprender novas matérias; sentir a rsponsabilidade de crescer e usar de forma consciente eeficiente o espaço de acção que me iam permitindo, não me afectava de modo algum negativamente. Lidava bem com o stress, com os prazos. Mudei metodologias de trabalho, de forma a responder ainda mais eficientemente, eu era um peixinho feliz nadando num oceano de ideias, conceitos e evoluções, ao lado das pessoas certas para levar os desafios que eu propria me impunha a bom termo.

Foi também durante essa minha segunda relação, que possuí um barco que me dava asas e através do qual conheci a sensação impar dos cabelos ao vento, a descoberta das águias no seu habitat, as horas de contemplação, quando ao fim do dia fugia de todos e ia ter a minha hora magica.

Foi também no decorrer dos meus trinta anos, que consegui criar o jardim encantado da minha vida e projectar arcos que sombreavam o lago de karpas rodeado de avencas e papiros.

Gostava de trabalhar a terra, sentir os torrões liquidificados sob a rega, ver as flores desabrocharem, os peixes nadarem felizes no seu espaço, o meu cão ladrar feliz tincando a bola de brincar, as minhas filhas ao meu lado, crescendo com as irrequietudes próprias da idade e dos tempos.

Talvez por possuir tantos campos de trabalho onde podia _e devia_ usar a minha criatividade e retirar das minhas varias actividades o oxigènio salutar, aliado sempre ao meu vicio de leitura, não dei como findo o casamento, quando as coisas começaram a correr menos bem. Lutei pela visao de novas perspectivas, pedi às miudas o dom do perdão por sabe-lo inserido num quadro de doença e fruto de desgosto, frustraçao e amargura.

Contudo, mais tarde, retirado das horas que passei de joelhos, tratando dos canteiros, vim a perceber um sabio ensinmento, que na altura me passou ao lado: quando um ramo se parte e se mantem unido por um nadinha apenas, mais vale separá-los e deixa-los crescer individualmente. Criarão novas raizes e fundamentos. Se contudo o mantivermos danificado, a ponta, morre seca.


Assim, quando o meu segundo marido, anos depois, morreu, eu morri com ele.

A que eu era, morreu.

Nada do qu eu tinha feito por altruísmo e amor me tinha levado a um porto de abrigo.
O vaso deixado por ele, tinha terra que não faria crescer nada, seca e sem alimento.
Terra amarga.

E foi aí, que uma nuvem que andava no céu, vendo-me tão desalentada, desceu e ocupou a minha cabeça, para eu não pensar mais naquilo...até que o tempo resolvesse a questão.

É a única explicação que encontro para o que se passou depois comigo: uma nuvem.

Foi através dessa nuvem que aprendi a palavra desapego.

Foi atraves dessa nuvem que aprendi a palavra coragem, foi atraves dessa nuvem que vi os seres que me cercavam.

Visão aterradora de cobiças e enganos.

E a nuvem conforme eu ia caindo de quatro perante as revelações do tempo me ia fazendo subir de novo para que o naufragio não fosse completo :)

Foi assim, que passados três anos, atraída por um lado cheio de vida e alegria de um ser humano, me senti com alento para ajudar o outro lado desse ser, que também parecia envolto numa nuvem, ao que ele contava, por injustiças várias.

E estava de facto.

Mas enquanto a minha parecia passageira a dele adensava-se.


E assim um dia a nuvem se foi e fiquei perante um desgosto, que era a soma de todos os desgostos, de um luto que era a soma de todos os lutos: os homens que tinham traído a minha verdade, a mulher que me não tinha amado da forma como eu era, a vida que eu construira e que outros cuidavam de destruir.

Não senti ódio neste trajecto, embora a revolta falasse alto.

O gritar da injustiça não pressupõe ódio, clama apenas por verdade.

Foi assim, que um dia, me lembrei do ensinamento dos pés partidos das alegrias da casa, e aceitei essa verdade dentro de mim.

Perceber o sentido de uma vida, demora uma outra vida.

Estou, com ambos os pés no chão e de céu limpo na cabeça, a entrar na meta final da mnha vida.

Agora sei que a mentira existe, que muitasvezes no seu intimo as pessoas são mesquinhas, tolas ao ponto de confundirem bom coração com falta de inteligêcia.

Tolas ao ponto de confundirem silencio com vazio.

Sei que não posso mudar o mundo, nem mudar mentalidades.

Sei que há pessoas que dão mais valor às casas do que aos outros que lá vivem e que são capazes de pactuar com o diabo em troca de uma boa imagem ou de uma benesse do destino.

Sei dos egos e dos alter egos. De necessidades e de carencias.

Sei das leis da sobrevivênca e dos casamentos de aparência.

Aprendi sobre a loucura, o medo, o poder, a agressão, o riso falso, o egoísmo e o amor.

Aprendi sobre limites territoriais, sobre metamorfoses, sobre emocões e razão.

Aprendi sobre o prazer de viajar, conhecer novas culturas, religioes, credos, praias e montes.

Aprendi na medida em que me entreguei à vida e já vivi muito, às vezes lembro-me das sete vidas do gato...


Sinto que se ainda aqui estou parada a escrever, é apenas porque o comboio ainda não chegou a este cais.


Mas sei porquê.

Ainda me falta dominar a arte da paciência.



:)

8 comentários:

Alien8 disse...

"Agora sei que a mentira existe, que muitas vezes no seu intimo as pessoas são mesquinhas, tolas ao ponto de confundirem bom coração com falta de inteligência."

Não imaginas - ou talvez imagines! - o quanto tenho pensado, vida fora, e sobretudo nos últimos anos, nisto que escreveste, em particular no que sublinhei. Ou na forma como se colocam as "boas pessoas" entre aspas, com ar sarcástico. Ou no que, nas entranhas e no devir das sociedades, cria pessoas que pensam, naturalmente, assim, e transforma outras nesse mesmo sentido. E depois pergunto-me: "Mas serão só os outros que são mesquinhos? Eu é que sou o bonzinho da fita?". E costumo responder: "Todos temos os dois lados. A questão é qual deles em nós prevalece, qual determina, em última instância, o nosso comportamento, a nossa atitude perante os outos." Há que lutar por princípios, há que tê-los, há que mantê-los e há que defendê-los. Se não estivermos cientes da nossa razão, quem diabo seremos? Isto, para mim, não é orgulho, nem falta de modéstia: são factos, só isso. Abdica-se de muito, como bem saberás. Ganha-se muito mais, pelo menos da nossa perspectiva. Nossa, porque tudo no(s) teu(s) textos me diz que temos princípios semelhantes, a começar pelo que citei...

Há nuvens e nuvens, como sabes.

Um beijo.

Alien8 disse...

Marginal,

Dominar a arte da paciência...
Será que isto ajuda?

Muitos sóis e luas irão nascer
Mais ondas na praia rebentar
Já não tem sentido ter ou não ter
Vivo com o meu ódio a mendigar

Tenho muitos anos para sofrer
Mais do que uma vida para andar
Bebo o fel amargo até morrer
Já não tenho pena sei esperar

A cobiça é fraca melhor dizer
A vida não presta para sonhar
Minha luz dos olhos que eu vi nascer
Num dia tão breve a clarear

As águas do rio são de correr
Cada vez mais perto sem parar
Sou como o morcego vejo sem ver
Sou como o sossego sei esperar

(Zeca Afonso)

Marginal disse...

Alien,


Comecemos pelo poema canção do Zeca Afonso: não haverá uma outra paciencia, sem ódio ou azedume, sem pesar, sem pessimismo, uma paciencia construida de fe e esperança?

Não haverá uma paciencia, diferente da da minha mãe, que é paciente porque há muito não espera mais nada da vida que sofrer e resignar-se ao seu sofrimento?


Eu sempre fui muito entusiasta e impulsiva. Ando melhor, sem duvida, mais calma, mas quando "algo" não corre nos prazos previstos, fico toda "enredada" :( desanimo, ao mesmo tempo que me sinto eléctrica :(

Talvez não seja paciência, seja serenidade...

Boa, Alien :)

Marginal disse...

Alien,

Imagino e sei, o quanto as pessoas que ainda pensam "nestas coisas", pensam nestas coisas, principalmente na última decada!

Mas parecem-me cada vez menos, os que se preocupam com estes novos hábitos e metodologias de vencer na vida...

Julgo, talvez erre, que estamos de facto perante -e "in"- uma sociedade com clara quebra dos valores tradicionais.

As pessoas esquecem-se dos principios, Alien. De os praticar, de os passar de geração em geração, cada vez mais importa o "ter", cada vez mais, importa a imagem -sem fundamento- de bom profissional, bom isto e bom aquilo...

Temos todos os dois lados, Alien, sem duvida, não há bons e maus.

Só que uns, mais convictos dos seus principios e decerto menos ambiciosos pelo poder, são os "bonzinhos" e os outros, mais ambiciosos e menos convictos, não se importam de ser "maus"...

"não se importam"... "não querem saber"...e passam ao estagio seguinte...

Desde sempre, Alien, houve os que buscavam o poder e os louros da vitória, através das batalhas mais sangrentas e os outros...de quem, de resto, pouco reza a história...

Abdicamos de muito ao longo do caminho, sim, sem dúvida, mas principalmente sentimos nos fracassados, porque vamos perdendo a fé, a confiança nos "outros".

Contudo temos sempre a hipotese de um dia, acordarmos com vento de feição, assim um pé de vento repentino, dentro de nós e decidirmos falar mais alto.


Por os pontos nos iiiis.

De forma acertiva, que não dê margem para manobras.

Porque se ninguém lutar por esses "principios" , acredita, que eles não se perpetuam por si mesmos...

E mesmo lutando, há sempre quem faça questão de os desacreditar!

Com ar sarcástico, como tu dizes.

Conheço tão bem esse ar sarcástico!


E hoje sou eu que corro para o "janTar" ;) dia de praia, muito mar e sem nuvens à vista :)

Um beijinho para ti e um outro para a Lola!

Alien8 disse...

Marginal,

A "Canção da Paciência" foi uma provocação. Não gratuita, mas ilustrativa do estado a que se pode chegar, isto é, a que a vida nos pode levar. A paciência do desespero ou da resignação. A espera como único objectivo, a espera por nada, porque nada já tem sentido.

"Já não tem sentido ter ou não ter"
"A vida não presta para sonhar".

..................................

Claro que existe a paciência de que falas, construída de fé e esperança, e da ideia de que "para pior já basta assim". Porque, no fundo, é preciso ter muita paciência para acreditar em algo de melhor. e ir suportando o que há. Mas, se ninguém acreditar, esse algo não irá, certamente, existir. Ou, como dizes na outra resposta, "esses princípios não se perpetuam por si mesmos".

É paciência e é serenidade. Vejo esta como mais pontual, a outra como pano de fundo.

E, se nada do que disse fizer sentido... paciência :)

Alien8 disse...

Vanda,

É isso mesmo. Excepto o facto de não me sentir fracassado, antes talvez frustrado naquilo que eram as minhas expectativas. Vou um pouco mais longe (ou talvez fosse isto mesmo que querias dizer) ao referir que "há quebra de valores", ponto final. Tradicionais ou não. Há mesmo uma inversão de valores, mas a ampulheta vai ter que ser virada... assim se faz a História, em espiral, com pontos mais baixos e mais altos, com os que, em última análise, cobiçam (o poder, o que é ou deveria ser de outros...) e os que, em última análise, se solidarizam (com os outros).

Sim, um dia haverá "um pé de vento". É que, ao longo da História, já houve vários. Pode, portanto, vir a haver mais... ou pode vir a destruição total, já que há meios para isso.

Tens razão, é preciso, imperioso e urgente aprender a arte da paciência...

Alien8 disse...

Esqueci-me: beijos da Lola. E meus.

Marginal disse...

Alien,

Tudo o que escreves faz sentido!

A provocação da canção da paciência foi lida como "chamada de atenção" :)) tipo: "É mesmo isto que queres"? :) e só hoje, e até numa das traduções do poema "If", encontrei a descrição certa e em poucas palavras do que te queria transmitir:

"Se podes esperar sem fatigar a esperança"

...é desta paciencia que falo, é essa a paciência que urge.


Mas...como mantê-la se ainda dela temos urgência? :)


Porque no meio do caminho, eu senti a esperança fatigada, usei a palavra "fracasso"...a minha pequenina luta por um mundo melhor, acabou a meu ver, fracassada.

Foi nessa etapa de reflexão, que descobri que há terrenos ferteis e dados a sementeirs e culturas e outros, secos. Foi também perante essa "derrota" que descobri que existem electrodomésticos completamente danificados :)


Procura-se uma paciência que não fatigue a esperança...

E quere-se uma esperança que não nos limite a força de re.construir e tão pouco nos leve num mundo de sonhos...